foto Digão Duarte

terça-feira, dezembro 04, 2007

Palestra proferida na Associação Comercial do Paraná em 22/05/2006

WORKSHOP INDÚSTRIA CULTURAL
Visões sobre a economia da música, o direito do entretenimento e o paradigma do desenvolvimento de novas políticas públicas para a Cultura
A legislação do direito autoral nos últimos 10 anos sofreu grandes modificações, seja em função do impacto da
novas tecnologias que permitem o uso, cada vez mais globalizado, das obras protegidas pelo direito autoral, como é o caso da Internet, seja pela importância econômica que a indústria cultural representa em função de investimentos e ingressos de recursos advindos da exportação desses produtos.
Mas a destinação do produto cultural ao consumo, como objeto de mercado, torna-o negociável como qualquer outro produto, como se fossem sacas de soja ou arrobas de boi.
Entretanto, o direito de autor e o direito à cultura merecem uma abordagem mais apurada.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 1948, em seu Artigo 27: “1. Toda pessoa tem o direito a participar livremente da vida cultural da comunidade, a gozar das artes e a participar no progresso científico e dos benefícios que dele resultem.” “2. Toda pessoa tem direito a proteção dos interesses morais e materiais que lhe correspondam por razão das produções científicas, literárias ou artísticas de que sejam autora.” A aparente contradição desses dois incisos, um que defende o direito de autor sobre sua obra e o outro que consagra o direito ao acesso a essa mesma obra, nos remete ao equilíbrio que deve existir entre esses valores na elaboração de leis e tratados para a proteção dos direitos intelectuais.
Equilíbrio que, na conformação de novos mercados como o da Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, por exemplo, não está sendo levado em consideração. A tendência a tratar o tema do direito autoral no âmbito das negociações em fóruns internacionais sobre aspectos comerciais, levando-o ao nível de mera arma de negociação, parece ser uma aspiração dos países desenvolvidos preocupados com a geração de riqueza desses ativos, relegando a um plano secundário os aspectos referentes à cultura e aos direitos humanos.
Desta forma, temos a Indústria do Entretenimento se apropriando dos objetos culturais, transformando-os em objetos de consumo, destruindo assim a sua transcendência no mundo.
E antes mesmo das leis romanas, os gregos definiam a cultura como o gosto ou sensibilidade à beleza, mas negavam estes atributos aos fabricantes de coisas belas, por serem como qualquer fabricante em geral. Em nosso ordenamento jurídico de acordo com a hierarquia das normas, temos a Constituição Federal que figura como norma suprema a que todas as outras encontram-se submetidas. E no Capítulo referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, o direito de autor está prescrito: No art. 5˚, 27 – “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.” E assegura-lhes também o direito de fiscalizar o aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem (CF, art. 5º, 28, b). Com efeito, a Lei n. 9.610/98 visa limitar os direitos autorais, a fim de fomentar outros direitos, como: o direito à educação e o direito à informação. Por outro lado, a indústria do entretenimento comporta os produtos e serviços ofertados em escala industrial voltados a ocupação do ócio por atividades que além de promover o lazer e a distração, possuem um importante componente econômico fundado na propriedade intelectual, cujo estudo se dá através das cadeias produtivas, como o estudo realizado pelo Luiz Carlos Prestes Filho sobre a Cadeia Produtiva da Música.
A indústria do entretenimento tem uma função estratégica. Ela é uma verdadeira transformação sócio-econômica que está acontecendo agora diante dos nossos olhos. Algo comparado ao que foi a revolução industrial na Inglaterra em 1850.
Nós estamos vivendo na sociedade pós-industrial, onde a propriedade intelectual substitui o petróleo no posto de ativo de maior valor. O século XX marcou o desenvolvimento industrial, a era das grandes corporações ligadas aos ativos materiais como as fábricas, máquinas, imóveis, etc.
Na sociedade pós-industrial os grandes ativos são os imateriais: marcas, patentes, direitos autorais, processos inovadores, capital intelectual. E a indústria do entretenimento é o grande veículo dessa transformação. Afinal o que são os mega-concertos de música, as peças da broadway, os filmes de hollywood, os softwares da microsoft, o ipod da apple, os vídeo games e os parques de diversão, senão empreendimentos cujo pilar gira em torno da propriedade intelectual. Você sabe qual é o maior ativo da coca-cola, ou da nike, ou do visa? A marca, a inovação, a propriedade intelectual como um todo, reunindo forças, agregando parceiros e juntando recursos para viabilizar um amplo programa visando ao fortalecimento das atividades econômicas de produção e difusão de bens e serviços culturais no Brasil, capaz de contribuir para que o setor cultural realize seu potencial de estímulo à qualificação do capital humano do país e à geração de emprego, renda, inclusão social e diversidade.
Esta proposta parte de duas suposições. Em primeiro lugar, a suposição de que a cultura está vocacionada para desempenhar papel estratégico no processo de desenvolvimento de países emergentes, em especial quando redefinimos os pressupostos e as diretrizes deste processo, em busca de equilíbrio, sustentabilidade e inclusão social.
Como Enrique Iglesias, presidente do BID, assinalou em “Capital Social e Cultura – Chaves Estratégicas para o Desenvolvimento” (2000), trata-se de reconhecer a cultura como um fator central para o desenvolvimento dos países e a integração econômica regional na América Latina, criando as condições necessárias à incorporação do fomento das atividades econômicas da cultura ao rol das políticas governamentais estratégicas. Entre as políticas de estado, portanto. De fato, tais atividades já impactam de maneira significativa o desenvolvimento de países como o Brasil, a despeito de entraves legais, da precariedade institucional, da ausência de dados abrangentes, da insuficiência das políticas públicas e das pressões internacionais. Estudo recente (PUC/RJ, 2002) revela, por exemplo, que no Rio de Janeiro a cultura responde por 7% do PIB local.
Em segundo lugar, supõe-se que a realização do potencial existente demanda uma parceria efetiva entre o Estado, a iniciativa privada e as organizações da sociedade civil, para que os entraves apontados acima sejam superados. Está claro que o mercado, per si, ao menos no estágio atual do desenvolvimento das forças produtivas do setor, não dá conta, isoladamente, dos desafios existentes.
O Estado tem, portanto, um papel vital no fortalecimento da economia da cultura, seja no levantamento do potencial, seja no planejamento das ações, na articulação dos agentes econômicos e criativos, na mobilização da energia social disponível, no fomento direto, na regulação das relações entre agentes econômicos, na mediação dos interesses dos agentes econômicos e dos interesses da sociedade, assim como na fiscalização das atividades. É um papel múltiplo, que exige vontade política, qualificação institucional e recursos.
Não se trata de reabilitar o Estado produtor de cultura, ou o Estado dirigista. Ao contrário. Parte-se do princípio de que o Estado pode e deve estimular um ambiente favorável ao desenvolvimento de empresas e criadores, para que o mercado possa ampliar-se e realizar seu potencial, não apenas de auto-sustentabilidade, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais).
O Domenico De Masi apresentou uma nova classificação geo-política mundial, onde os países de 1º mundo seriam os produtores e controladores da propriedade intelectual enquanto os países de 3º mundo são mercados consumidores de produtos e serviços da indústria do entretenimento.

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